A Importância do Controle Biológico na Agricultura Brasileira
Autor: Lucas Beraldo
A agricultura brasileira, reconhecida mundialmente por sua vasta produção e diversidade, enfrenta desafios constantes relacionados ao controle de pragas e doenças. Na agricultura convencional, o uso de pesticidas químicos tem sido a principal estratégia para combater esses problemas. No entanto, essa abordagem apresenta diversas desvantagens, incluindo impactos negativos ao meio ambiente, resistência das pragas e riscos à saúde humana. Diante disso, o controle biológico surge como uma alternativa sustentável e eficaz, especialmente quando se utiliza a biotecnologia e métodos moleculares.
O Que é o Controle Biológico?
O controle biológico consiste no uso de organismos vivos para controlar a população de pragas e doenças que afetam as culturas agrícolas. Esses agentes biológicos podem ser predadores, parasitas ou patógenos naturais das pragas, e incluem insetos, ácaros, nematoides e, especialmente, microrganismos como bactérias, fungos e vírus. Através de interações naturais, esses organismos ajudam a manter o equilíbrio ecológico, reduzindo a necessidade de intervenções químicas.
A Importância dos Microrganismos
Os microrganismos desempenham um papel crucial no controle biológico devido à sua capacidade de colonizar rapidamente ambientes variados e atuar diretamente sobre as pragas e patógenos das plantas. Por exemplo:
- Bactérias: Diversas bactérias produzem toxinas específicas ou antibióticos que são letais para muitas espécies de insetos praga, ou para fitopatógenos, mas inofensivas para humanos e outros animais. O gênero Bacillus é o mais reconhecido para o controle biológico de doenças e pragas.
- Fungos: Fungos entomopatogênicos, como Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae, infectam e matam insetos praga, enquanto fungos antagonistas como Trichoderma spp. competem com fungos fitopatogênicos por nutrientes e espaço, além de produzir substâncias que inibem o crescimento desses patógenos.
Vírus: Vírus entomopatogênicos, como os baculovírus, infectam e destroem populações de insetos praga de forma específica e eficiente.
Métodos Moleculares no Controle Biológico
Com os avanços na biotecnologia, métodos moleculares têm se tornado ferramentas essenciais no desenvolvimento e aplicação de agentes biológicos. Entre esses métodos, destacam-se:
- Identificação e Manipulação Genética: Técnicas de sequenciamento de DNA permitem a identificação precisa de espécies de microrganismos com potencial biocontrolador. Além disso, a engenharia genética pode ser utilizada para aumentar a eficácia de microrganismos, por exemplo, inserindo genes que codificam toxinas específicas contra pragas.
- Bioinformática: A análise de dados genômicos auxilia na compreensão das interações entre microrganismos e pragas, possibilitando a criação de estratégias de controle mais eficazes.
- Ferramentas de Diagnóstico: Métodos moleculares como a PCR permitem a detecção rápida e precisa de patógenos em culturas agrícolas, facilitando a aplicação oportuna de agentes biológicos.
Produção e Formulação: Biotecnologias avançadas têm melhorado os processos de produção em larga escala e formulação de produtos biológicos, garantindo maior estabilidade e eficácia no campo.
Caso de Sucesso em Pesquisa Recente
A busca por alternativas biológicas para o biocontrole e promoção de crescimento de plantas é muito relevante. Um dos principais desafios no cultivo de soja são as doenças de início de ciclo, com destaque para o fungo Rhizoctonia solani devido a sua alta agressividade e incidência no Brasil. Nesse contexto, um projeto recente visou buscar no banco bioguiado de microrganismos da startup Microgene Ltda. isolados para o controle biológico de Rhizoctonia solani em soja e possivelmente em diferentes culturas agrícolas.
A busca por microrganismos foi realizada a partir do banco isolados de 1675 isolados de rizosfera, folha e raiz das culturas do milho e soja, sendo a realizada a caracterização das atividades celulolítica, pectinolítica, lipolítica, esterásica e quitinolítica dos isolados. Em seguida, foram realizados ensaios de antagonismo por meio de pareamento contra quatro fungos patogênicos: Rhizoctonia solani, Fusarium verticillioides, Pythium aphanidermatum, e Colletotrichum truncatum. Finalmente, selecionaram-se três linhagens para ensaio em casa de vegetação: Priestia megaterium MRP6F11, Labrys portucalensis MRP9B11 e Bacillus thuringiensis MRP6G5, além do consórcio entre ambas.
O screening enzimático permitiu identificar os 1675 isolados iniciais. Dentre os 861 isolados de soja, cerca de 39% possuíam atividade celulolítica, 46% possuíam atividade pectinolítica, 38% possuíam atividade lipolítica, 37% atividade esterásica. Já segundo grupo, 814 isolados do milho, cerca de 37% apresentaram atividade celulolítica, 23% apresentaram atividade pectinolítica, 37% apresentaram atividade lipolítica, 25% apresentaram atividade esterásica, e 5% apresentaram atividade quitinolítica. Selecionou-se, então, baseado nas combinações entre as atividades enzimáticas, candidatos promissores para o controle biológico de R. solani na soja.
Após identificação e exclusão das linhagens indesejadas pela identificação molecular, o teste de antibiose contra os fungos fitopatogênicos demonstrou que 30% das 46 linhagens selecionadas para o ensaio apresentaram inibição de algum ou múltiplos fitopatógenos (F. verticillioides, R. solani, C. truncatum e P. aphanidermatum). Três linhagens foram selecionadas, àquelas capazes de controlar múltiplos patógenos, incluindo R. solani em placa. As linhagens selecionadas foram: Priestia megaterium MRP6F11, Labrys portucalensis MRP9B11 e Bacillus thuringiensis MRP6G5.
A inoculação de soja com P. megaterium MRP6F11 e L. portucalensis MSP9B11 demonstraram efeitos positivos no controle de rhizoctoniose em plantas de soja, e ambos apresentaram tendências de efeito de promoção de crescimento de plantas. O sucesso das linhagens pode estar atrelado à habilidade de exercerem atividade celulolítica e pectinolítica. O tratamento com P. megaterium MRP6F11 foi capaz de garantir uma boa germinação e estabelecimento das plântulas e promoveu parâmetros fisiológicos como comprimento de raiz e massa seca de parte aérea. O tratamento com L. portucalensis MSP9B11 foi benéfico a parâmetros fisiológicos de comprimento de raiz e massa seca de parte aérea.Dentro do banco de microrganismos há potencial para seleção de outras linhagens para o biocontrole de R. solani, com a possibilidade de seleção e sequenciamento de outras linhagens. Além disso, faz-se interessante testar as linhagens que obtiveram sucesso contra os outros fungos patogênicos como o F. verticillioides, C. truncatum e P. aphanidermatum ou diferentes fitopatógenos de interesse. As linhagens selecionadas pelo screening do banco de microrganismo apresentam outros trabalhos em andamento, para verificar o biocontrole de outros fitopatógenos.
Benefícios e Perspectivas
O controle biológico, especialmente com o uso de microrganismos e métodos moleculares, oferece inúmeros benefícios para a agricultura brasileira:
- Sustentabilidade: Redução do uso de pesticidas químicos, mitigando seus impactos ambientais e promovendo a biodiversidade.
- Segurança Alimentar: Produção de alimentos mais seguros, com menores resíduos de agrotóxicos.
- Resiliência: Maior capacidade das plantas em resistir a pragas e doenças, promovendo a saúde geral do ecossistema agrícola.
Economia: Redução dos custos associados ao manejo de pragas e doenças, além de agregar valor aos produtos agrícolas.
Conclusão
A incorporação de estratégias de controle biológico na agricultura brasileira, com ênfase no uso de microrganismos e métodos moleculares, representa um avanço significativo rumo a uma produção agrícola mais sustentável e eficiente. Ao valorizar a biotecnologia e as interações naturais, é possível promover uma agricultura que respeita o meio ambiente, assegura a saúde humana e garante a produtividade necessária para alimentar uma população crescente. O futuro da agricultura brasileira depende da adoção de práticas inovadoras e sustentáveis, e o controle biológico, sem dúvida, é uma peça fundamental desse quebra-cabeça.
Referência:BERALDO, L. L. M. Bioprospecção de bactérias para o biocontrole de Rhizoctonia solani em soja. 2024. 45 f. TCC (Graduação) – Curso de Engenharia Agronômica, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2024.